Tortura, suicídio e LGBTfobia: como é o serviço militar do paraíso capitalista da Coreia do Sul?
Você, fã de algum boygroup ou idol masculino, provavelmente tem pesadelos só de imaginar seu artista favorito tendo que se distanciar da carreira por quase 2 anos apenas para servir o exército. Como funciona o alistamento? Por que a obrigatoriedade? Como é o exército sul-coreano?
A história da Guerra da Coreia está historicamente atrelada com a história militarista das Coreias. As “Forças Armadas da República da Coreia” foram criadas em 1948, após a separação da Península da Coreana. É importante ressaltar que antes da eclosão do conflito, as forças armadas eram em grande maioria forças policiais, ou seja, um aparelho repressor já instituído, essa mesma polícia em 1946 que foi responsável pelo assassinato de três estudantes na revolta de Daegu. Textos apontam que até mesmo soldados japoneses ex- apoiadores do Japão Imperial chegaram a compor as fileiras das forças que se formavam.
Durante o conflito, o exército sul coreano foi constituído basicamente por um conjunto de acordos secretos arquitetados pelo Pentágono, dados especificam que autoridades americanas chegaram a pagar ilegalmente US$ 1,7 bilhão para que a Coreia do Sul participasse do conflito, com armas, munições, tecnologia, etc. Atualmente, as forças armadas da Coreia do Sul são uma das maiores do mundo, mais de 600 mil soldados em força ativa e mais de 3 milhões em reservas regulares. (dados de 2010).
Essa grandiosidade de tamanho ocorre por um fenômeno único: o recrutamento. De acordo com a constituição oficial, os homens sul-coreanos devem completar 21 meses de serviço militar OBRIGATÓRIO exercido entre 18 e 28 anos. Diferente de outros países, que apenas a apresentação e registro é obrigatório, a própria atividade de servir chega a ser obrigatória. Ironicamente, em 2006, no governo de George W. Bush, como forma de tentar suprir a falta de tropas na Guerra do Iraque, foi proposto reintroduzir uma medida similar, mas o Congresso dos EUA se opôs radicalmente.
Em 2018, quando a Coreia do Sul venceu o Japão e conquistou a medalha de ouro do futebol nos jogos asiáticos 2018, o atacante Son Heung-min, principal estrela da equipe e ainda jogador do Tottenham confessou que estava “aliviado” por sua conquista. O que isso significa? Que Son teria escapado do serviço militar obrigatório pelo grande feito. Mas por que aliviado? O povo sul coreano não vê honra e paixão em seu exército?
Gene Kim, um autor coreano e estadunidense realtou sua jornada no exército e a descreveu do jeito mais tenebrosa possível. “Você estava vivendo uma vida livre e de repente se vê completamente isolado do resto da sociedade. Você não tem contato com ninguém. Você basicamente sacrifica dois anos de sua juventude pela nação”.
“Eles tentam intimidar você a todo momento, te assustar, de maneira a te ‘modelar’ como um soldado ideal”, relembra ao contar sobre suas primeiras semanas, “uma das coisas que me lembro até hoje foi o treino em que te ensinam a se defender de ataques químicos. Colocaram todo o meu grupo em uma sala repleta de gás, você entra usando uma máscara de gás, um instrutor lá dentro também usa, mas de repente todos são obrigados a retirar e você é exposto a esse gás que não causa efeitos a longo prazo, mas no momento te machuca muito, parece um milhão de agulhas penetrando seu copo”.
A lavagem cerebral e a criação de uma paranoia de ódio ao inimigo são suportes essenciais pro funcionamento do exército sul-coreano, Kim conta: “Do seu primeiro dia no exército até o último, você irá ouvir falar muito da Coreia do Norte”. Segundo uma pesquisa da Universidade de Columbia (EUA), os membros do exército recebem apenas um auxílio de no máximo 150 dólares durante os dois anos. Para comparação, o salário mínimo na Coreia do Sul é de 8,590 wons por hora enquanto KRW 1000 equivalem à USD 0,84.
“A sociedade sul-coreana acaba por aceitar qualquer nível de violência, crueldade e injustiça em nome do interesse nacional. Isso aniquila qualquer tipo de mente científica, criativa ou independente do país.” O artigo cita ainda entrevistas com ex-soldados e cita ocorrências nessas trajetórias: um soldado foi forçado a comer baratas, um soldado foi obrigado a beber sangue de frango por um oficial superior, um soldado foi obrigado a comer alimentos congelados, vomitá-los e comê-los novamente.
O foco do estudo ainda recai sobre os traumas mentais permanentes e danos psicológicos intensos causados aos soldados. Um dos casos conturbados envolveu um militar que assassinou outros cinco inocentes antes de ser preso enquanto tentava se suicidar. Em 2005, um soldado do exército que havia sido enganado por seus superiores matou oito soldados em uma unidade do exército na linha de frente. Em 2011, um cabo intimidado por outros fuzileiros navais disparou contra uma base perto da fronteira marítima com a Coreia do Norte, matando quatro. Em abril de 2014, um soldado de 20 anos morreu após ser repetidamente intimidado e espancado por outros soldados.
Se engana quem acredita que maioria dos homens sul-coreanos acreditam e veem algum tipo de felicidade nessa obrigatoriedade. Inúmeros cidadãos buscam as maneiras mais desesperadoras para escapar desse período, chegam a cortar polegares opositores, dedos dos pés (o que causa a dispensa por deficiência), enquanto outros param de comer para chegarem até na subnutrição.
Se a realidade é dura para os soldados no geral, adicione isso com as condições de LGBTfobia estrutural da sociedade coreana. “Você sente atração por homens?” é uma das perguntas frequentes que o momento de alistamento direciona. Roseanne Rife, diretora de pesquisa para a Ásia Oriental da AI, apresentou em Seul o relatório “Serving in Silence” (Servindo em Silêncio) o qual entrevistou soldados e ativistas. O relatório apontava que grande maioria respondia “não” para esconder sua orientação e assim se livrar de possíveis perseguição.
O relatório de Rife conta uma discriminação generalizada e um ambiente mais que hostil para pessoas LGBTs. A maioria dos entrevistados pediram anonimato, mas evidenciaram que mesmo se o sujeito não for assumido, ele sofre ataques orquestrados por superiores ou com o consentimento destes apenas por “caminhar de um jeito”, ter “maneiras afeminadas”, pele mais clara ou falar mais agudo.
Os exércitos são instituições naturalmente preconceituosas? Sim. Mas no caso sul coreano esse tipo de política chega a ser oficializado, o próprio regimento oficial determina esse tipo de comportamento. O artigo 92–6 do código criminal militar (de 1962) pune até com 2 anos de prisão o sexo entre soldados homens, mesmo que seja consensual. Na entrevista do ex-soldado identificado apenas como “U”, ele relata que isso não evitava abusos, relatando que algumas vezes oficiais ordenavam soldados de menor categoria (os considerados “afeminados” para que os acompanhassem a motéis, onde os estupravam.
Em 2017, o que ocorreu foi uma real caça às bruxas. O exército sul-coreano foi acusado de conduzir investigações entre seus soldados com o único propósito de identificar homens gays na instituição. O relatório direcionado para o Centro para os Direitos Humanos dos Militares da Coreia narrava como oficiais e instituições do exército foram responsáveis por investigação e prisão de soldados gays ou bissexuais por meio de aplicativos, a ordem direta era “lidar rigidamente nos casos de relações sexuais de pessoas do mesmo sexo com a intenção de prevenir uma proliferação de sodomia entre os soldados”.
O artigo 92–6 ainda enquadra vários soldados na situação de crime apenas por relações homossexuais. O sexo consensual heterossexual não é considerado um crime, apenas o gay. Em 2016, o artigo 92–6 foi revisto na Corte Institucional do país e mesmo assim mantido.
Essa realidade está longe de mudar. Em janeiro desse ano, o Exército Sul Coreano anunciou a expulsão de uma oficial que havia realizado uma readequação de gênero. Considerada a primeira militar transexual do país, a sargento Byun-Hee-soo (22 anos) havia passado por sua cirurgia na Tailândia e contava com a aprovação da sua unidade.
Retornando como motorista de tanque em uma unidade implantada na província de Gyeonggi (arredores de Seul), uma equipe médica a examinou e considerou que ela sofria de “deficiência mental” por sua “perturbação de gênero”.
“Estou muito ciente de que o exército ainda não está pronto para aceitar soldados transgêneros.” Byun declarou emocionada, também relatando que sempre sonhou em ser uma soldado e cumprir seu dever. O comunicado do exército dizia “A comissão tomou a decisão de dispensa, já que isso (a opinião médica) constituía uma razão para a incapacidade de continuar servindo com base na legislação correspondente”.
Paralelamente, o serviço militar na Coreia do Norte é visto como uma obrigação de todo cidadão, mas NÃO é obrigatório.
Sua duração é de dois a três anos e seu treinamento militar envolve participação na construção principalmente de obras públicas e projetos do governo.
A justificativa de um exército rígido e perturbador por parte da Coreia do Sul pode ser vista como mais uma tentativa dos EUA em manter sua presença militar intensa no leste asiático, como também acontece no Japão desde o fim da segunda guerra mundial.
O exército sul coreano é desumana em diversos sentidos. Extrapola os exércitos “comuns” e seus tratamentos opressivos. A Coreia do Sul é o único país do norte global a ter um artigo como o 92–6 em seu código militar. Não é uma realidade e um tipo de tratamento que nós, fãs de kpop e apoiadores de uma reunificação pacífica, podemos apoiar e muito menos enxergar como patriótica ou moral.
Fontes: espn.com.br/futebol/artigo…
jornaldebrasilia.com.br/torcida/son-he…
minimumwage.go.kr/eng/sub04.html
Carlos Henrique, KPR – Kpop pela Reunificação