Coreia do NorteMitos

Como é a questão LGBT+ na Coreia do Norte?

Hoje vamos abordar um dos assuntos mais complexos sobre a República Popular Democrática da Coreia (RPDC).

Nota importante

Gostando ou não, espero que leiam até o fim, pois é essencial ter uma compreensão completa dos diversos pontos complexos que envolvem este tópico. Qualquer tentativa de simplificar o debate para atender a uma narrativa X ou Y deve ser contestada. Tudo é luta, e estamos constantemente disputando os mais diversos ambientes, cada um com seus problemas e contradições próprios.

Uma das principais bandeiras da KPR é a luta pelos direitos da comunidade LGBTQIA+, e faremos o possível para apoiá-la onde quer que estejamos. A grande maioria dos nossos membros pertence à comunidade ou são apoiadores dessa luta crucial pelos direitos fundamentais à existência.

A intenção deste artigo é oferecer um balanço crítico de informações. Poderíamos simplesmente afirmar que ‘os LGBTs não são perseguidos na RPDC, mas o país não garante direitos específicos para eles’, porém isso seria insuficiente e inadequado. Dado que há grupos e organizações que defendem uma perspectiva conservadora e reacionária sobre o assunto, tentando passar a ideia de que a RPDC persegue LGBTs, nossa missão é justamente o oposto: mostrar que essa visão é completamente falsa. Vamos expor parte dos argumentos desses grupos e oferecer uma análise progressista com base nas informações às quais temos acesso.

Muitas pessoas nos questionam sobre esse tema diariamente, uma questão importante que é raramente tratada de maneira responsável no Ocidente. De um lado, temos jornais propagando boatos e notícias falsas, e de outro, supostas declarações do Partido do Trabalho da Coreia afirmando apoio, ainda que ‘crítico’, à comunidade homoafetiva. Contudo, não encontramos nenhuma fonte primária que comprove tais declarações. Em nosso contato com organizações com sede na RPDC e outras entidades amigas, compreendemos que essas alegações são definitivamente falsas.

Não temos uma resposta definitiva. Não existe nenhum documento oficial do governo que mostre qualquer tipo de apoio ou perseguição, tampouco um estudo aprofundado com referências significativas que nos permitam compreender a perspectiva do povo e do partido em relação a esse tema.

Ainda assim, é um tópico que permanece complexo. De um lado, há alguns textos individuais vindos da RPDC que abordam a questão homoafetiva de forma preconceituosa. Do outro, temos a realidade de um Estado que não persegue nem promove discriminação sistêmica, não interfere na vida privada dos cidadãos e, ao mesmo tempo, garante condições dignas de vida para o povo — algo que nossos trabalhadores no Brasil, especialmente os LGBTQIA+, não encontram. Aqui, além de serem marginalizados, enfrentam fome, falta de moradia, desemprego e precisam lutar diretamente contra a violência, em uma batalha desesperada pela sobrevivência. Ter uma vida digna é um sonho distante na realidade brasileira, principalmente para a comunidade LGBTQIA+.

Dada a ausência de elementos e evidências mais concretas para uma compreensão mais ampla — já que não temos acesso ao debate interno da comunidade norte-coreana sobre o tema e há poucas análises realistas sobre o país —, hoje faremos uma apresentação dos pontos positivos e negativos que encontramos em pesquisas sobre a questão LGBTQIA+ na Coreia Popular. Esperamos que as informações aqui fornecidas sejam suficientes para esclarecer algumas dúvidas sobre o tema.

A Coreia tem uma história “LGBT” bem mais vasta do que você pensa, vamos então a alguns exemplos:

Os Hwarang são claros exemplos de como, na antiga Coreia, já havia representações de relações homoafetivas na sociedade. Esses grupos militares, que surgiram durante a Dinastia Silla (57 a.C – 935 d.C), eram formados por filhos da nobreza, escolhidos por eleição popular. Além de suas funções militares, servidão ao rei e respeito aos pais, os Hwarang também cultivavam uma cultura de erotismo e de relações homossexuais dentro de seus grupos. No clássico livro Samguk Yusa, que narra as histórias da antiga Coreia, historiadores apontam uma série de poemas que descrevem as relações íntimas entre os Hwarang.

Outro exemplo vem do Rei Kongmin, da dinastia Koryo, que era conhecido tanto por seu talento como estudioso e pintor quanto por suas relações homoafetivas. Na historiografia coreana, os jovens que acompanhavam os reis eram chamados de chajewi, e o Rei Kongmin chegou a ter até cinco desses companheiros. A prática homoafetiva na dinastia Koryo era referida como yongyang-chi-chong, ou “o dragão e o sol”, representando a união de dois grandes símbolos masculinos.

Mais tarde, com a chegada da dinastia Choson e a disseminação do confucionismo, a homoafetividade passou a ser vista como um comportamento perverso pelas elites confucionistas. No entanto, práticas homoafetivas continuaram a ser relatadas e eram comuns entre as classes mais baixas e em comunidades rurais.

Outro grupo importante na história da homoafetividade coreana são os namsadang. Esse termo era usado para descrever grupos teatrais itinerantes que viajavam pelo país, mas também se referia à prostituição homossexual dentro desses grupos. Curiosamente, a Coreia contemporânea não faz essa associação direta com os namsadang e as antigas formas de homossexualidade.

Então, o que mudou? Durante a dinastia Choson (1392–1910), a sociedade coreana foi fortemente influenciada pelo confucionismo, um sistema que incluía educação, religião e administração civil. O confucionismo reforçou a estrutura familiar patriarcal e conservadora, consolidando a heterossexualidade como norma social e ética.

Na cultura confucionista, a família nuclear desempenha um papel fundamental. Ela é vista como a base da estabilidade, dos valores morais e da transmissão do que é considerado justo, bom e ético ao longo das gerações. A sociedade, por sua vez, é entendida como uma extensão da família, e o modelo patriarcal e heterossexual se tornou a norma. Quem se afastava dessa norma era visto de forma negativa, um reflexo de uma cultura onde a conformidade social é altamente valorizada.

Recomendo que leiam os livros abaixo para uma melhor compreensão:

‘Introdução a Confúcio’ da editora contraponto

Os analectos’ da editora L&PM

Parte dos textos acima nós retiramos de outro da KPR, você pode checar aqui: Link

A Historia moderna da comunidade LGBT na Coreia do Sul você pode ler mais aqui: Link

Na Coreia Popular, uma das experiências revolucionárias socialistas mais impressionantes e resilientes da história, pouco se sabe sobre a comunidade LGBT. Mas por que isso acontece?

Para começar, de acordo com as organizações ligadas à RPDC, essa comunidade, formalmente, “não existe”. Isso levanta a questão: por que não existe? Sofrem algum tipo de perseguição?

Alguns argumentam que, como as pessoas LGBT não enfrentam perseguição, não haveria necessidade de organizar-se para reivindicar coletivamente direitos específicos. Esse ponto de vista, até certo ponto, pode ser correto, mas também levanta várias questões complexas. A falta de debate ou discussão sobre a homoafetividade e identidade de gênero na Coreia Popular sugere que, de alguma forma, essas questões são vistas de maneira diferente em relação a outros países.

Na RPDC, questões relacionadas à sexualidade e identidade de gênero são tratadas como assuntos privados, sobre os quais o Estado não intervém. Perguntar sobre a orientação sexual ou afetiva de alguém é considerado extremamente indelicado, e a sociedade em geral é muito reservada. Nesse sentido, há uma semelhança com a cultura chinesa, mas não é motivada por repressão religiosa como estamos acostumados no Ocidente. Na Coreia, não se vê demonstrações de afeto em público, como beijos, que são comuns no Ocidente. Isso significa que a orientação afetiva de alguém não é facilmente identificável por comportamentos públicos.

Além disso, na RPDC, padrões de comportamento e vestimenta são menos flexíveis e individualizados do que no Ocidente, onde tais elementos são frequentemente usados como formas de expressão de identidade. Na ausência de sinais visíveis ou declarações públicas, como os que vemos em sociedades ocidentais, as expressões individuais mais intensas parecem ser desestimuladas, o que indica um certo nível de influência do neo-confucionismo cultural.

Essas observações nos mostram que, enquanto não há uma perseguição ostensiva ou sistemática à comunidade LGBT na Coreia Popular, também não há espaço para que essas questões sejam debatidas ou expressas publicamente. Isso cria uma situação onde essas identidades se tornam praticamente invisíveis, sem serem reprimidas abertamente, mas também sem reconhecimento ou afirmação pública.

Balanço negativo

Encontramos alguns artigos e textos individuais provenientes da RPDC, escritos por um professor universitário e um jornalista, que apresentam falas claramente homofóbicas. No entanto, é importante destacar algo fundamental: essa visão não reflete o pensamento de toda a população norte-coreana e muito menos a posição oficial do Partido do Trabalho da Coreia. De maneira geral, a população norte-coreana é bastante ingênua e pouco informada sobre questões de sexualidade.

Essa ingenuidade se deve, em parte, ao fato de que a sexualidade não é um tema amplamente discutido no país. Quando turistas questionam seus guias sobre a existência de pessoas homoafetivas na Coreia do Norte, os guias geralmente não sabem como responder. Frequentemente, afirmam que não há pessoas com essas orientações no país, mas mostram curiosidade em relação ao tema e ao modo como essas questões são abordadas no exterior.

Então, como compreender essa questão na Coreia Popular?

Como o debate sobre sexualidade é praticamente inexistente, os norte-coreanos, em sua maioria, não sabem como se referir a pessoas homoafetivas em sua própria língua. A homoafetividade é frequentemente percebida como algo estrangeiro, mas, como em qualquer outro lugar, há pessoas homoafetivas no país. A razão pela qual grande parte da população norte-coreana desconhece o assunto está diretamente relacionada à ausência de discussões abertas e à falta de informações.

Ao analisarmos os textos individuais que mencionam a homoafetividade, observamos que os autores frequentemente associam o tema aos Estados Unidos, descrevendo-o como parte de uma “decadência social” ou como um dos “cânceres sociais”, junto a questões como discriminação racial, fraudes políticas, criminalidade, divórcios, gravidez na adolescência e casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em outro artigo, há referências à “cultura homossexual”. Vamos explorar esses dois pontos.

É crucial notar que os debates na RPDC são bastante diferentes dos que ocorrem no ocidente. Por exemplo, em relação ao divórcio, a crítica não é contra o divórcio em si, que foi um direito conquistado pelas mulheres após a revolução. Antes, os homens e suas famílias tinham maior liberdade de decisão sobre a questão. Hoje, esse processo é igualitário, e o patriarcado foi enfraquecido.

A partir da perspectiva de um dos autores, o problema não reside na existência do divórcio, mas sim em sociedades onde se estimulam relacionamentos “fora de hora” ou “promíscuos”, no sentido de desordenados. Eles acreditam que as pessoas se deixam levar por estímulos problemáticos e pela crescente sexualização da sociedade, o que, em última instância, gera confusões e problemas familiares. Para alguns norte-coreanos, que vivem em uma realidade completamente diferente da nossa, o ocidente, especialmente os EUA, enfrenta uma série de crises sociais devido a uma sociedade “doente”.

Esse ponto de vista, independentemente se esta corretou ou não, não reflete a opinião de todos os norte-coreanos. No entanto, é essencial considerar essa outra ótica para entendermos como alguns coreanos pensam sobre isso. Sem essa compreensão, como podemos participar de um debate mais profundo sobre o assunto?

Em relação ao “casamento homoafetivo”, de fato, ele não existe no país. De acordo com a “Lei Familiar” da RPDC, o casamento é permitido apenas entre um homem e uma mulher.

Isso ilustra claramente que, na construção da família nuclear, tanto a sociedade quanto o Estado norte-coreano reforçam a ideia de que essa deve ser formada por um casal heteronormativo, idealizando a união entre um homem e uma mulher. Até o momento, não temos informações sobre a existência de outros tipos de uniões civis ou sobre como funciona o processo de adoção no país.

Essa situação já indica um certo nível de intervenção estatal, econômica e social na vida privada das pessoas, o que, por sua vez, reforça certos tipos de violências e exclusões.

A questão central, portanto, é um desafio que as experiências socialistas em países historicamente confucionistas e neo-confucionistas precisam enfrentar. Diferente do ocidente, esses países lidam com a questão da família de uma forma bastante única, mas, ao repelirem famílias não normativas, acabam gerando frustração em uma parte significativa da sociedade.

Entre os textos de autores norte-coreanos sobre a questão LGBT que encontramos, um menciona a “cultura homossexual”. O autor parece ter um conhecimento bastante limitado sobre o assunto, ou então foi influenciado por um filtro carregado de preconceitos. Talvez ele esteja se referindo às expressões mais fortes que vemos da comunidade LGBTQIA+ ao redor do mundo, criticando o comportamento que alguns consideram provocativo ou chocante – algo que não é bem aceito na cultura e sociedade norte-coreana contemporânea.

Mas será que faz sentido falar que os “LGBTs” criaram e estão desenvolvendo uma cultura própria? É uma questão complicada. Historicamente, essas comunidades foram marginalizadas e perseguidas por grupos religiosos e pelo próprio Estado. A pequena margem de espaço cultural que a comunidade LGBT conseguiu desenvolver foi fruto de uma luta desesperada por sobrevivência. A realidade é, e continua sendo, extremamente difícil, marcada por assassinatos, fome, desemprego, exclusão e, muitas vezes, pela necessidade de recorrer à prostituição para sobreviver. Parte da chamada “cultura homossexual” só pode ser compreendida com uma análise profunda de nossa realidade social, política e econômica, que nos revela o porquê dessas expressões e comportamentos serem o que são, seja nas músicas, nas formas de se expressar, ou na maneira como indivíduos dentro dessa comunidade se identificam.

Diante dessa realidade, se a sociedade conseguisse incluir essas pessoas com respeito, dignidade e verdadeira inclusão, talvez muitos dos comportamentos considerados “chocantes” não existiriam mais com o passar do tempo. Afinal, estaríamos em uma sociedade completamente nova, onde as estruturas sociais que determinam o que é padrão e o que é desvio seriam destruídas. As expressões da comunidade LGBT refletem a realidade que enfrentam, e são vistas de forma negativa por uma parte significativa dos trabalhadores, que são condicionados a aceitar as estruturas de poder vigentes. Uma vez que esses trabalhadores cheguem ao poder, será necessário um profundo debate, com muitas polêmicas, sempre com a ciência do comunismo como nossa arma revolucionária, em constante mudança e aperfeiçoamento.

A questão, então, é: o governo precisaria atuar de cima para baixo, impondo ao povo o que é correto, ou seria um processo de baixo para cima, atendendo às necessidades e vontades dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que segue a ciência e os processos emancipatórios? Esse caminho levaria à escalada da democracia popular até alcançar os 100%, resultando na conquista de direitos iguais? Não temos a pretensão de responder a essa questão aqui, mas apenas trazer reflexões sobre alguns dos tópicos envolvidos.

Esse é um debate extenso, e mesmo com todo esse texto, ainda estamos longe de abordar todos os pontos importantes. O fato é que existem muitas contradições a serem enfrentadas, e, para superá-las, precisamos educar nossos trabalhadores e radicalizar nossa comunidade LGBT+. Só assim seremos capazes de construir uma revolução proletária, onde a comunidade LGBT+ será um dos braços combativos fundamentais da luta.

Voltando a questão da Coreia

Os coreanos enfrentam uma batalha feroz em relação à informação e propaganda, sofrendo ameaças diárias, e qualquer momento de fraqueza ou instabilidade pode abrir brechas para a retomada de uma guerra que, até hoje, não encontrou paz na península Coreana. De um lado, temos o governo popular do Norte, socialista; do outro, um governo capitalista que atira em seu próprio povo para defender os interesses dos Estados Unidos na Coreia.

As sanções internacionais limitam bastante o acesso à internet na RPDC, que por sua vez também impõe fortes regulações e controle de informações para garantir a segurança e a estabilidade do país. Temos, inclusive, exemplos claros de como a internet foi e é usada para promover mudanças na opinião pública, com o impulsionamento de notícias e informações direcionadas para moldar as opiniões de acordo com os interesses dos detentores do capital.

Por isso, parte dos debates mais qualificados não chega ao público médio da RPDC, incluindo os LGBTs, que poderiam utilizar esse material para provocar discussões mais aprofundadas no país.

Em uma entrevista com um norte-coreano que vive na RPDC, ele mencionou ter acesso a redes sociais da China, além de outros jornais do Oriente Médio e da Ásia. Países aliados da RPDC, como Irã, Rússia e, em certa medida, China, são repressivos contra a comunidade LGBT. No entanto, isso não significa que o povo norte-coreano compartilhe as mesmas opiniões desses países, especialmente por ser uma experiência socialista mais avançada. Contudo, devido a esse filtro de informações, quando chegam notícias sobre o tema, elas tendem a ser negativas, o que acaba influenciando o pouco debate existente por lá.

A situação delicada da RPDC, como já discutido em outros artigos, mostra de forma clara como o país sobreviveu a mais de 70 anos de guerra e se consolidou como uma experiência socialista fascinante, alcançando importantes conquistas para a classe trabalhadora. Isso não foi obra do acaso. A RPDC sofreu um extermínio, com cerca de 20 a 30% de sua população civil morta pelas tropas dos EUA, e teve que se reconstruir quase do zero. Partes importantes de sua história e cultura foram destruídas por bombardeios indiscriminados. Mesmo diante dessas dificuldades, o país conseguiu apoiar movimentos de libertação e independência na África e em outros lugares do mundo. Nos anos 90, enfrentou um dos mais severos desastres naturais dos últimos séculos, somado à crise resultante do colapso da URSS e da perda de sua linha de comércio com outros países socialistas.

Desde então, a RPDC vem enfrentando inúmeros desafios, mas se tornou uma experiência socialista cada vez mais consolidada. Durante o século passado, o país se viu no meio de uma disputa entre duas gigantes, a URSS e a China, quase à beira da guerra. Além disso, a Guerra Fria dividiu grande parte do mundo em zonas de influência, e muitos países sofreram “revoluções coloridas”. Qualquer conflito era intensificado pelos EUA para expandir sua influência direta ou indireta.

A globalização, que muitos veem de forma positiva, na verdade chegou de maneira irresponsável e antidemocrática, impulsionada pelo imperialismo. Ao longo das últimas guerras mundiais, as potências imperialistas conseguiram levar sua influência para praticamente todos os cantos do mundo, exportando sua cultura por meio do “soft power” e, com isso, ocidentalizando muitos países, o que, de certa forma, representa um genocídio cultural. Isso é evidente quando olhamos para países como a Coreia do Sul nos anos 70 ou até o Japão, onde é possível ver um contraste entre a cultura local e as influências ocidentais. Esses postos avançados do imperialismo promovem até hoje a ocidentalização e o apagamento cultural.

Se um norte-coreano médio fizer uma pesquisa superficial sobre questões LGBT+ ou sobre a comunidade, provavelmente terá uma impressão inicial negativa. Isso ocorre porque sua sociedade, desde a revolução, não foi “ocidentalizada”, e eles veem com maus olhos comportamentos como beijos em público, roupas ou estilos de cabelo “chocantes”, que são comuns na sociedade ocidental e em parte da comunidade LGBT+. Existe a possibilidade de apresentar uma imagem diferente? Isso teria resultados? São questões que ainda não temos resposta, mas, como em qualquer lugar, há uma disputa em jogo, e se desistirmos de lutar, o outro lado ficará com tudo.

Além dessas problemáticas, sabemos que a RPDC se posicionou contra a declaração de apoio aos direitos LGBT na ONU em 2008 e 2011.

Não temos mais informações sobre a votação da ONU e os motivos pelos quais a RPDC votou contra. Enquanto não tivermos mais detalhes e o contexto interno e externo claro, não podemos fazer um balanço suficientemente crítico. Será que a RPDC seguiu os votos dos países aliados? Houve algum acontecimento na época que possa ter influenciado essa decisão? Enfim, seria necessário um estudo mais aprofundado sobre o assunto. Não que isso altere algo, mas é importante compreendermos o contexto para realizar uma análise mais precisa.

E, diferente do que dizem, existem sim casais homoafetivos no país. Abaixo, algumas fotos tiradas por um fotógrafo perto da fronteira com a China, apenas para ilustrar.

Essas fotos abaixo vamos deixar em aberto para interpretação de vocês, pode não ser nada além de carinho entre amigos, mas poderia muito bem também ser algo romântico.

Também já encontramos alguns vídeos que mostram norte-coreanos com aparência e comportamentos tidos como ‘femininos’, o que indica que existem, sim, expressões que fogem das normas de gênero no país. As imagens abaixo foram tiradas durante uma excursão de holandeses na Coreia Popular, e foi reportado que o guia turístico norte-coreano era “abertamente homossexual”.

Ao contrário da crença popular, frequentemente alimentada pelas fakenews sobre o país, a homoafetividade não é ilegal na Coreia Popular (Coreia do Norte), e as pessoas da comunidade LGBT+ são mais do que bem-vindas para viajar para lá. Na verdade, guias turísticos abertamente gays de agências de turismo ocidentais frequentemente conduzem excursões na RPDC sem nenhum tipo de problema.

O máximo que os viajantes homoafetivos podem esperar, em termos de escrutínio, é que seus guias norte-coreanos tenham um interesse genuíno em sua orientação. Qualquer coisa fora da heteronormatividade simplesmente não é algo com o qual eles estejam acostumados, e, por isso, ficam muito curiosos. No entanto, essa curiosidade não é acompanhada de hostilidade ou violência.

De acordo com as agências de turismo que organizam viagens para o país, a Coreia Popular é considerada um dos países mais seguros do mundo para se visitar sendo uma pessoa LGBT+.

Não temos quase nenhum material sobre o tema. Se já são escassas as referências sobre pessoas homoafetivas na Coreia Popular, para pessoas transgênero há quase nada. No entanto, sobre a percepção e reação dos norte-coreanos em relação a essa questão, vamos compartilhar aqui um podcast de coreano-americanos que participaram de um projeto que levava coreanos para visitarem os dois lados da Coreia, onde ficavam por algumas semanas promovendo o entendimento entre as pessoas, além das notícias de jornais e declarações dos representantes do governo.

Um dos participantes é um homem trans e conta um pouco sobre como foi sua experiência no país.

https://apexexpress.wordpress.com/tag/ellen-choy/

Fotos que eles tiraram em uma das visitas que fizeram ao país
Fotos que eles tiraram em uma das visitas que fizeram ao país

Também existem esses documentos abaixo de instituições da Coreia Popular que afirmam não discriminar pessoas por sua “orientação sexual”. Leia abaixo…

Mesmo sendo informações limitadas, ainda assim é importante observar isso. Não só mostra que o tema está sendo cada vez mais aceito e discutido no país, como também indica que existe uma educação sexual que abrange parte da comunidade LGBT+.

Os últimos dados que obtivemos da instituição, mesmo sendo de 2010, mostram que a KFP & MCHA entregaram 538.000 preservativos e realizaram 138.000 serviços de saúde sexual e reprodutiva por meio de 17 pontos de atendimento, incluindo 9 clínicas permanentes e 8 instalações móveis.

Isso é, sendo uma associação norte-coreana apoiada pelo governo, com sede em Pyongyang e existindo desde 1990, os últimos dados que conseguimos acessar são de mais de 10 anos atrás. Tudo indica que, desde então, a associação tem crescido e se desenvolvido ainda mais, expandindo seu atendimento para regiões montanhosas e vilarejos distantes.

Conclusão:

Apesar das dificuldades, o país socialista está fazendo grandes conquistas para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, e isso também representa uma grande vitória para a comunidade LGBT+. É um governo popular que representa diretamente os interesses do povo. Um país que não sofre com falta de moradia, onde, além do pleno emprego, o Estado também fornece alimentos suplementares para todos os trabalhadores. Ou seja, se você adoecer ou tiver algum problema pessoal que o impossibilite de ir trabalhar, você e sua família não passarão fome. Os trabalhadores desfrutam de um alto nível de aproveitamento cultural, com acesso à música, arte, filmes e muito mais.

É uma sociedade completamente diferente daquela que estamos acostumados a ver em grande parte dos países ocidentais. Por isso, devemos ter cuidado ao usar nossa régua cultural e um olhar regulador baseados nas nossas próprias necessidades e realidades.

Existem, sim, pessoas “LGBTs” na Coreia socialista, mesmo que alguns coreanos não saibam disso e alguns apoiadores do país no Ocidente tentem esconder esse fato com discursos reacionários e repugnantes. A realidade do país é bem diferente, mas também não é perfeita. Não é, hoje, um paraíso para a comunidade LGBT+ como muitos imaginam, um ambiente livre e leve para nossas diversas representações e expressões. Infelizmente, não há um lugar assim no mundo hoje, mas também não é nada parecido com o que os reacionários afirmam, nem com o que dizem os jornais de propaganda da burguesia.

A disputa continua forte, mas é importante educarmo-nos. Como militantes comunistas, é nosso dever disputar esses espaços e ideias, radicalizar nossa comunidade LGBTQIA+, trabalhar em coletivos, organizações e partidos que lutem por um projeto de emancipação do nosso povo.

Apoiar a RPDC é, acima de tudo, apoiar nossa própria revolução. Mostrar as incríveis conquistas da Revolução Coreana é a forma mais prática de mostrar aos nossos trabalhadores que eles devem apoiar e ter esperança em uma revolução que possa nos afastar da barbárie e levar dignidade ao nosso povo.

Com base em tudo que obtivemos sobre o país e a comunidade LGBT lá, que vale ressaltar, não é organizada, acreditamos que a comunidade vive relativamente frustrada. Muitas pessoas provavelmente vão viver a vida toda sem se entender bem, com sinais que passaram a vida inteira sem ser compreendidos. Isso, por enquanto, é uma realidade. Porém, é importante refletir sobre a identificação. Mesmo aqui no Brasil, com tantas representações e informações sendo constantemente expostas, ainda assim muitas pessoas têm dificuldade e resistência em se aceitar como são. Isso se deve, principalmente, às nossas relações sociais e familiares, que criam um ambiente normativo e repressivo. Na Coreia socialista, ainda existem algumas dessas contradições do velho mundo, e culturalmente hoje eles não possuem as representações que nos provocam reflexões sobre identidade e orientação afetiva na arte, música e cinema. Como sabemos, isso não é discutido socialmente entre eles, ou seja, fica claro que são poucos os que conseguem se conhecer profundamente como indivíduos, sendo uma frequência muito menor que em muitos outros países. Mas é incorreto dizer que essas pessoas não existem ou que são perseguidas.

Se você deseja apoiar os LGBTs coreanos de alguma forma, deve lutar contra o imperialismo americano. Hoje, o exército dos EUA controla o exército sul-coreano e mantém dezenas de bases no país, impedindo o diálogo pela paz na península coreana. Acreditamos fortemente que, após a reunificação da Coreia, os movimentos sociais da Coreia do Sul, como o movimento LGBT+, encontrarão finalmente um terreno mais fértil na luta por uma mudança concreta e poderão ter suas vozes ouvidas. Com isso, poderão se juntar aos LGBTs do Norte e, juntos, de forma organizada, lutar pelos seus direitos como indivíduos e como uma parte expressiva da sociedade.

Nosso intuito com este material foi apresentar os dois lados dessa questão e fazer um balanço realista. Isso se torna necessário, pois alguns camaradas costumam usar parte desse material para apresentar uma visão mais idealista, que não corresponde à realidade do país, assim como algumas figuras reacionárias usam parte desse material para mostrar uma Coreia Popular extremamente conservadora e reacionária, o que também não é verdade.


Agradecimentos:

Natalie Everhart, Zandapheri e Michele Conrado.

Agradeço profundamente os esforços de todos vocês na luta pela causa LGBT+, juntamente com a desmistificação dos mitos que rondam a Coreia Popular. É necessário muita coragem e uma força de vontade ainda maior para levantar simultaneamente as bandeiras LGBT+ e de apoio à Coreia Popular. Sabemos o quanto é difícil abordar esse tema dentro do nosso próprio meio, especialmente enfrentando tantas figuras reacionárias nessa disputa. Já enfrentamos muitas ameaças apenas por defender essas bandeiras, tanto por parte dos reacionários de direita quanto por aqueles que se intitulam revolucionários. É preciso coragem para seguir em frente e continuar qualificando cada vez mais esse debate e essa disputa.

É gratificante ver que uma parte significativa dos comunicadores populares dentro da nossa comunidade de apoio, estudo e desmistificação da Coreia Popular tem se posicionado abertamente em defesa da causa LGBT+, sem receio de perder visibilidade, engajamento ou ceder à busca por promoção pessoal.


Como de costume, se encontrarmos algo novo vamos colocar nesse texto, o intuito dele é deixar nossa comunidade informada, não esqueçam de acompanhar nossos outros textos no Portal RPDC e nas redes sociais!


Rafael Pardan, KPR – Kpop pela Reunificação

Deixe um comentário